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A Marcha das Vadias Recife foi meu primeiro evento feminista público. Minha primeira manifestação feminista. Pode ser também a primeira vez que eu me entendi feminista com orgulho. Minha mãe é uma mulher feminista desde que eu me entendo por gente, ensinava Gênero na universidade, mas em toda a minha vida estudantil eu hesitei em me definir como tal publicamente. Não parecia certo. Por um lado, dizer a palavra feminista enchia a boca com uma semântica pesada, como se eu estivesse dizendo “feminazi”. Aquela época era outra coisa. Por outro, parecia óbvio demais que todo mundo deveria ser feminista, então porque reforçar o óbvio? Eu sinto uma dificuldade em reforçar o óbvio. Mas não é óbvio para todo mundo, e tem gente que parece que faz questão de esquecer, então sim. Precisamos.
Minha primeira Marcha das Vadias foi a de 2016, logo depois do estupro coletivo cometido por mais de 30 homens, rapazes, garotos. Aquilo doeu enormemente em mim, como em tantas mulheres que acompanharam as notícias na época. Não fomos as vítimas, mas poderíamos ter sido. Na marcha, uma performance: as mulheres contavam de 1 a 30 e depois repetiam a fala da vítima: “Quando eu acordei, tinham 30 homens em cima de mim”, num total de 30 vezes. Uma dor que não se mede. Uma dor compartilhada. Na manifestação, reconhecemos juntas o que passamos e sofremos nas mãos do patriarcado. E juntas nos fortalecemos e reforçamos que não estamos sós, porque temos umas às outras.
Na Marcha de 2017, fiz uma saia de plástico bolha e vesti. Quando você vê plástico bolha você tem vontade de estourar? Algumas pessoas vinham e estouravam minha saia espontaneamente, numa ânsia de tocar, apertar, beliscar, furar cada uma das bolhas. Dá vontade em você? Mas se eu não disser que você pode estourar a minha saia de plástico bolha, você não pode. Uma mulher de roupa curta não está pedindo nada. Sem consentimento, é assédio. É estupro.
O texto do quadrinho é uma reprodução direta da carta manifesto da Coletiva das Vadias elaborada para a Marcha, fruto de muitas mãos e reflexões. JuDolores, integrante da Coletiva das Vadias, escreveu:
“O momento da leitura da Carta Manifesto é um dos mais emocionantes do meu ano... Unir a minha voz à das mulheres que caminham comigo todos os dias e as demais que se juntam no dia da Marcha é de uma potência sem igual. No dia seguinte até parece que está tudo normal, mas não. Outras mulheres são tocadas e ficam mais fortalecidas e o impacto que causa em nosso íntimo não pode ser ignorado por muito tempo. A gente tá a cada dia mais arretada, cansada mesmo de muita coisa, mas a gente sabe também que nunca poderíamos ser mais felizes do que inteiras e só encarando a nojeira do patriarcado podemos vislumbrar a vida que queremos e merecemos. É duro, é sujo e assusta, mas estamos mais cientes de quem somos e do que queremos. Vai nos custar sempre muito, mas no fim das contas, seja lá o que conseguirmos alcançar, vai ser tudo nosso. Real, inteiro e substancial. É tudo nosso, nada deles!”
A Marcha das Vadias Recife fez dez anos na pandemia e desde então não viu mais as ruas. Quis fazer uma homenagem a momentos bonitos que vivi na marcha, a energia de uma ruma de mulheres juntas, a esse momento tão formativo para mulheres feministas. Dessa vez a personagem não sou eu, é um passeio fictício. É bom se tirar da cena. Poderia ser eu na minha primeira marcha, se eu já não conhecesse as integrantes da coletiva que me apresentaram a um monte de gente maravilhosa. Eu não fui à minha primeira marcha sozinha, mas a personagem tampouco. Qualquer pessoa, veterana ou de primeira viagem, é bem-vinda na marcha. O protagonismo, claro, é de mulheres, cis, trans, afeminadas. Homens são bem-vindos também.
Nos últimos anos, nas discussões sobre inclusão e diversidade, algumas pessoas dizem que a luta das minorias pode ser segregadora. Se você é um homem cis e ficou ofendido com algo desse quadrinho, se já se ofendeu com comentários de feministas, se já se sentiu ameaçado ao ver uma mulher se manifestar e pensou “nem todo homem”, eu lhe convido a refletir sobre como ser um verdadeiro aliado. “Nem todo homem” não me ajuda em nada, porque sempre é um homem.
Espero que tenham gostado do percurso. Que nesse Dia Internacional da Mulher possamos todas ter respeito, espaço, coragem, consciência e força para continuar lutando.
E deixo também um vídeo das Mulheres no Audiovisual PE, Corpos Políticos, pra fechar em coro coletivo.
Há braços feministas,
Por nós, pelas outras, por mim!
Cliquei num ano (dois, talvez?) a Marcha das Vadias, também aqui em Recife! Acho que ainda tenho as fotos, posso até olhar... Foi realmente uma experiência bem interessante, que me surpreendeu e ajudou a desmistificar estereótipos e pautas, além de me render cliques que gostei bastante de fazer. Ainda pretendo voltar!
adorei, me fez lembrar das marchas feministas que fui e me deu saudade.
aí comecei a ler as edições antigas da sua newsletter e foi uma delícia. se você ver um monte de likes em posts antigos não se assuste haha
um beijo